domingo, abril 30, 2006

O almoço

Ele tinha direito. Tenho que concordar. Ora! Tinha passado a manhã inteira no para lá e para cá de sua moto, trabalhando com cobranças de empresa funerária, enfrentando trânsito e aqueles xingamentos que só motoqueiros recebem. Uns bem merecidos, também devo concordar. O fato é que deu meio dia e ele tinha conseguido juntar umas gorgetas. Como sempre. Mas no meio dio daquele dia ele estava com uma fome daquelas e passou bem em frente a um restaurante de gente chique. Ainda baixou a cabeça pra pensar alguns segundos se iria fazer realmente aquilo. Tirou o dinheiro que tinha no bolso da jaquela. Contou. Eram justos quinze reais. Ele devia juntar, guardar pra comprar o de comer do filhinho de um ano que o esperava em casa; ou então algum agrado pra mulher, que merecia. Mas dessa vez não. O cheiro das variadas iguarias faltavam lhe colocar no colo e carregar pelos braços pro restaurante. Pra ele ver o que era comer bem. Ele foi. Se deixou levar. Resolveu se dar àquela mordomia. Ora mais! Quando se pôs diante dos pratos expostos no self service, qualquer culpa que ainda havia dissipou-se. Pegou um prato vazio, entrou na fila fazendo postura de patrão, e foi colocando as coisas no prato. Primeiro, só de pouquinho, como viu uma senhora de meia-fina que estava à sua frente fazer. Depois ela saiu de seu caminho e ele se sentiu mais livre pra ir colocando cada vez mais à medida que passava pelas diferentes bandejas. Pegou de tudo, menos arroz e feijão, que isso ele comia em casa. Quando foi pesar deu treze reais. Nossa! Quase deu remorso, mas ele olhou pra cara do atendente, olhou pro prato, olhou pro atendente de novo e perguntou quanto era uma fanta. Um e sessenta. Pediu uma e pegou a nota. Sentou-se pra comer e teve uma das melhores experiências gastrônomicas da sua vida. E ele nem sabia o que era gastronômica. Comeu que se fartou, que todo o seu aparelho digestivo fez festa. E sentiu assim, uma onda boa de status a percorrer-lhe o corpo. Ele ali, comendo no ar-condicionando, com toda aquela gente importante. Ao terminar ainda ficou olhando ao redor, meio sem crer, querendo curtir até o fim toda aquela prazeirosa situação. Só quando ouviu alguém falar as horas levantou. Foi com sua nota até o caixa, entregou os quinze reais, recebeu os quarenta centavos de troco. Saiu olhando pra moedas, mas não sabia porque elas lhe davam uma certa culpa misturada a uma sensação de pobreza. Comprou quantro big-bigs na banquinha da esquina. Pronto.

quinta-feira, abril 27, 2006

Coisa de Mãe

Eu estava lá quando o telefone tocou e ela atendeu. Deu pra ouvir a metade do diálogo que lhe cabia lá do quarto do meu namorado, enquanto ele se entretinha com a câmera. Foi algo maios ou menos assim:

_Alô?
_ ---
_Oi. Onde você tá?
_ ---
_Tá com quem? Fazendo o que?
_ ---
_E o que é que você quer?
_ ---
_Hum...
_ ---
_Não meu filho, jamais que eu ia lhe negar um prato de comida...
_ ---
_ Isso pode vir pegar que vou pôr pra você. Ó, mas quando chegar fique no portão. Vou mandar a Juliana ir deixar o almoço, eu não quero lhe ver não.
_ ---
_ Hum...Tchau.

Deu pra adivinhar que mais uma vez ela o havia posto para fora de casa por causa das drogas. Mas é sempre um pseudo-exílio, ele sempre volta e ela até tenta não ceder, mas mais tarde acabao acolhendo com esperanças de que ele largue esta vida. E da próxima vez que eu for lá ele vai estardeitado na rede da sala, vendo TV e comendo um grande sanduíche. Ela vai tentar me olhar como se nada tivesse acontecido, depois de tantas promessar que isso e que aquilo. Mas em seu olhar restará perceptível uma ponta de resignaçãoe ela vai engolir saliva tentando conter uma lágrima.

sábado, abril 22, 2006

João Victor , o que é que há?

Ele conversa numa língua estranha, as poucas e repetidas palavras que lhe saem são quase* todas inteligíveis: ABÁ, TUTUTU, ULIA, XXXX, BUAB e por aí vai. Porém, os gestos e as expressões faciais que ele combina com estes sons que emite não deixam dúvidas. São de tanto deslumbramento perante o mundo! Coisa de levantar o braço e sorrir que só tem quem aprende a cada instante algo novo e se sente alegre com isso. Sem nem saber.
E eu pouso meu olhar no pequeno que nem meu é, encantada e um pouco invejosa, enquanto ele brinca com tudo. Porque tudo que existe torna-se brinquedo seu. Ele se dá e brinca, todo curioso. Só às vezes é que me encara acidentalmente pra descobrir o que é que há no meu olhar. O que é que há?


*Digo quase, porque de vez em quando ele arrisca um MAMA, PAPA que faz parte da linguagem universal dos bebês.

quinta-feira, abril 20, 2006

O Desafio é: escrever um texto onde caiba a frase "mas amar não é ter sempre certeza"

Ela perguntou mais umas de suas perguntas malucas fora de hora enquanto se dirigiam à casa de uns amigos:

_ Amor, qual é a raiz cúbica de 1728?

Ele ficou pensativo. E ela completou que se ele errasse era porque não a amava mais. Então ele falou:

_É 12,minha linda. Mas amar não é ter que ter sempre certeza.

É ela era extremamente sensível, e um pouco maluquinha.


http://www.orkut.com/CommMsgPost.aspx?cmm=241278&tid=13653948

domingo, abril 16, 2006

Sentei e conversei. Como se espera de uma pessoa adulta. Mas suspeito que ainda não sou eu esta pessoa...

...Ele estava ainda a dormir, chegara a pouco da longa viagem que tinha durado a madrugada toda e seu corpo estava cansado. Cansado e virado para a da parede, na qual a cama tocava do lado direito de quem entra. Esquerdo de quem sai. Ela entrou, bem direitinho, e sentou-se na ponta da cama de casal , como se não quisesse invadir o espaço que antes tinha uma mãe. Chamou o nome dele baixo para não o acordar muito e quando ele balbulciou "Hum?" ela esticou o braço e lhe entregou um livro que sabia que ele gostava. Depois viria a notícia ruim. E veio e foi. Assim: " Pai, bati o carro na coluna da garagem ao estacionar. Não tenho justificativas, fui desatenta novamente e estou aqui para ouvir o que já sei que vai me dizer, que você já sabe que eu já sei, mas que precisa falar". Ele, que não havia dito palavra, calou-se mais ainda. Ela não via seu rosto, pela posição desfavorável, mas podia adivinhar a expressão de decepção que devia estar a lhe estampar a face. Já as faces dela, esquetavam para produzir o choro que já viria. Passaram mudos ainda algum tempo; e quando ele resolveu falar a voz saiu suave: " minha filha, eu só não quero perder você. Mas você deve passar algum tempo sem pegar no carro, andando a pé e de ônibus para criar consciência." Ela já ia respirando de alívio. Não deu tempo. Não era só isso o que ele tinha a lhe dizer. A situação inusitada, adultamente inusitada, abriu porta e janelas para que a conversa se libertar por assuntos que ainda doiam nela, porque estavam verdes. E não, ela não sabia qual caminho seguir na vida, por isso não espondeu quando o pai perguntou o que poderia fazer por ela. Ele faria qualquer coisa. Ela levantou-se esquerda, deitou na rede da varanda fria, e chorou a Páscoa toda.

quarta-feira, abril 12, 2006

...


"Somos quase livres, isso é pior do que a prisão"

( Engenheiros do Hawaii)

Isso é Dasein

Isso não é o que se pode chamar de uma história original
mas não importa: é a vida real
acordar de madrugada vindo de outro planeta
sentir-se só
uma criança num berço de ouro
e a ferrugem ao seu redor

os muros da cidade falavam alto demais
coisas que ela não podia mudar nem suportar
ela quis voltar para casa
cansou da violência que ninguém mais via
viu milhões de fotografias e achou todas iguais

ofereci abrigo, um lugar para ficar
ela me olhou como se soubesse desde o início
que eu também não era dali
e quando sorriu ficou ainda mais bonita
tinha a força de quem sabeque a hora certa vai chegar
lágrimas no sorrisomãe e filha, chuva e sol
segredos que não podia guardare não conseguia contar

ainda ando pelas mesmas ruas
a cidade cresce e tudo fica cada vez menor
agora eu sei que a vida não é um jogo de palavras cruzadas
onde tudo se encaixa
o que será que ela quis dizer?
5 letras, começando com a letra A...

conta pra mim o que te fez chorar
nunca mais quero te ver chorar
nunca mais...

(Nunca Mais _ Engenheiros do Hawaii)

* Clicando no título você acha a música pra ouvir :-)

sexta-feira, abril 07, 2006

D E S A B A F O

Até quando esta vaidade? Até quando eu vou encarar o mundo como um palco com as mãos coçando para me aplaudir? esperando meu próximo ato? Não dá mais! Até agora, enquanto escrevo, não sinto verdade crua nas minhas palavras... porque sempre penso em quem possa vir a ler isso. Quem será meu espectador? E me perco de dizer o que devia dizer a mim. Mas no fundo também não serei eu espectadora de mim mesmo? Todos nós não somos? Há sempre o outro, o além e é nessa falta de limites, nesta~ânsia de encontros, que me embanano toda.

segunda-feira, abril 03, 2006

Desespero inesperado


Meu amor, o que há?
Estás deixando de me amar?
Porque sinto este oco de ti em mim?
Meu corpo percebe o seu vazio.

Tu descolas o sentimento que me tinhas do coração
Vens invisível passar uma borracha sob meus neurônios para deletar nossos bons momentosMas me dói tudo que de ti se vai
Me dói o que fica de nossas briguinhas tolas por nada

Briguinhas tolas por coisinhas tolas
Como uma luz acesa no momento errado
Ou uma torneira que, independente da nossa vontade, não quer parar de pingar
É assim que o amor se esvai?

Como se uma careta pudesse desmanchar tudo que vivemos
Somado a tudo que jamais vivemos, porém sonhamos em par...

E antecipo o choro pelo fim
O fim que se insinuas por vir
"nem tão longe que eu não possa ver, nem tão perto que eu possa tocar"

Talvez aches ser cedo para dizer
Mas um de meus tantos delírios
Pode um Bebê existir antes mesmo do ato de sua concepção?

Mas é o fim. Já o sinto.
É tudo que eu não quero
Tudo que eu não posso evitar