domingo, fevereiro 25, 2007

Conto: Mulher-esqueleto e a solidão

"Era uma vez uma mulher. Ela havia feito alguma coisa que seu pai desaprovara. Nem ela mesma sabia do que se tratava e ele a lançara impiedosamente no mar. Os peixes devoraram sua carne e arrancaram seus olhos e ela ficou lá pobre esqueleto a rolar com as correntes. Um dia um pescador solitário veio pescar naquela baía. Seu anzol foi descendo e descendo e ele encontrou algo. Deve ser um grande peixe, ele pensou. De fato era tão grande o peso daquilo que ele pensava ser um peixe que quando mais ele lutava mais aquilo se enredava na linha da rede que ele lançara ao mar. De repente ele se voltou para olhar a rede e deparou-se com aquele esqueleto, horrível. Ele a soltou do barco sem reparar que estava presa e remou, remou, desesperadamente para terra. Ao descer do barco ele verificou que aquela terrível coisa o acompanhara. Ele corria para casa e o esqueleto vinha atrás dele, ele gritava e ela o acompanhava, o tempo todo ali, enredada na vara de pescar. Finalmente ele chegou a seu iglu e atirou-se no chão, sentindo-se finalmente seguro. Então, ele acendeu sua lamparina de óleo de baleia e ela estava ali, jogada, amontoada num canto, um calcanhar sobre um ombro, um joelho preso nas costelas. Ele teve novamente medo, mas algo lhe aconteceu. Talvez fosse a expressão do esqueleto, se é que podem ter expressão. Talvez fosse a solidão em seu peito. O certo é que ele teve compaixão daquele ser e lentamente começou a desenredá-la. E cantava, cantava. Depois ele a cobriu com ternura. E ela pensava o tempo todo que queria ficar ali, aquecida, cuidada como jamais o fora. O homem teve sono e dormiu e enquanto dormia uma lágrima correu de seus olhos, talvez provocada pela compaixão, talvez provocada pelo coração finalmente pleno. A mulher-esqueleto viu a lágrima e aproximou-se, e bebeu a lágrima e quanto mais bebia, mais lágrimas saíam. Ela saciou sua sede de anos. Ela estendeu a mão e retirou de dentro do peito do homem seu coração. Ela começou a batucar nele pedindo por carne. Tum, Tum, carne, carne ela cantava em voz alta. E seu corpo miraculosamente se enchia de carne. Quando finalmente recobrou seu corpo ela devolveu o tambor ao homem e deitou-se a seu lado. Pela manhã eles acordaram juntos e abraçados e não separaram mais."

Este é um conto do povo Inuit - tribo do Canadá - de rara beleza que fala do maravilhoso sentimento da compaixão, compaixão que pode preencher o coração do pescador solitário e devolver a vida a uma mulher abandonada pelo pai à própria sorte. Fala da capacidade de olhar para elementos estranhos vindos do inconsciente - das profundezas do mar - através do amor. Amor pelo que não é tão bonito em nós, amor pelo que não é tão bonito nos outros.

Associamos o conto aos florais do grupo da solidão para pessoas que ficam isoladas: Impatiens, Heather e Water Violet que nos falam, em desarmonia, da incapacidade de olharmos para os outros com olhos regidos pelo coração. Em Impatiens porque estamos preocupados demais com a lerdeza do outro, temos pressa, muita pressa, não teríamos paciência para desenredar o pobre esqueleto! Em Heather porque queremos apenas falar de nós, porque não queremos ficar sozinhos, porque temos um buraco dentro de nós mesmos que não sabemos preencher, porque estaríamos preocupados com nosso próprio sofrimento e jamais com a pobre mulher-esqueleto! Em Water Violet porque não sabemos nos doar e nos distanciamos das pessoas, jamais compartilharíamos de nosso coração e de nossas lágrimas com outro ser! Em harmonia, porém, encontraríamos alguém com quem compartilhar nossa vida, uma mulher-amante, companheira para sempre. Encontraríamos alguém para que, batendo em cadência, as mínimas batidas de nosso tambor-coração se transformassem em louvor ao nosso irmão e a nós mesmos.

Mariza HelenaRibeiro Facci Ruiz
Practitioner pela Dr. Edward Bach Foundation

Fonte: http://www.jperegrino.com.br/Florais/mulher_esqueleto_e_a_solidao.htm

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Pega-pega ou João-ajuda?

Cheguei ao prédio onde moro ontem e lá embaixo tinha um punhado de crianças gritando e correndo. Uma delas me tocou, como que brincando, e disse " te peguei". Eu dei uma carreirinha e imitei o menino, pegando em seu braço e dizendo que ele era o "pega" outra vez. Ele se virou para mim e despejou solícito "Não é pega-pega, é João ajuda". Eu nunca vou esquecer a maneira como ele falou isso. Me senti de imediato uma idiota. Eu queria descontar o que ele tinha começado, numa versão bem "não vou deixar barato o que você fez comigo", bem espírito de pega-pega ... e era João-ajuda. Ajuda.

Depois fiquei pensando se essa brincadeira era melhor, por estimular o espírito de solidariedade ou
se era mais perversa que pega-pega, porque no final das contas estarão todos os brincantes reunidos no sentido de pegar aquele um que sobrou...

O mais esperto. Agora, se vira.

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Intuição

Não preciso me enxugar ao sair do banho se estiver com calor. E não há nada demais em sentar de frente ao ventilador, por mais que me digam o contrário. Sei o que me agrada. Sei que me desagrada a percepção de coisas nascentes, ainda tênues, ainda tão sutis. Sexto sentido feminino? Não me importo. Pra você pode ser mérito. Mas eu, eu não gosto de saber ver tanto e ser condenada a sentir antes do tempo. Bom ou ruim, que seja a seu tempo. Ou continuará a me acompanhar aquela incômoda sensação de descompasso com o mundo. Mundo devagar! De vagar depois de mim.